terça-feira, 24 de maio de 2011

A perspectiva crítica de Abdrew Feenberg

Sintese do texto: A perspectiva crítica de Abdrew Feenberg

Alberto Cupani

Por Djalma Gonçalves Pereira

Como terceiro enfoque de nossa averiguação dos conceitos sobre a tecnologia, temos a abordagem de Feenberg, baseada prioritariamente em sua obra Transforming technology (2002), onde o autor interpreta a tecnologia de uma forma bem próxima a de Boergman, mas sugerindo razões diferentes para a crítica tecnológica.
Feenberg rejeita a visãos instrumentalista e substancialista defendida por Borgman e amplia o enfoque na análise da escola de Frankfurt que pretende reconstruir a ideia de socialismo com base numa radical filosofia da tecnologia.
Para Feenberg a tecnologia é um fenômeno tipicamente moderno, constituindo a estrutura material da era moderna, ela não é um mero meio instrumento e muito menos supõe a neutralidade, a tecnologia promove valores que são antidemocráticos e provem do envolvimento da tecnologia com o capitalismo, vindo de uma cultura de empresários que enxergam o mundo em termos de controle, eficiência e recursos.
Os valores destilados pelas classes dominantes são próprios dos procedimentos das máquinas e das decisões que as mantêm, mas isso não significa que a tecnologia constitui uma entidade autônoma ou um destino, pois as conquistas da natureza que a tecnologia se apropria não são eventos metafísicos, mas um processo de dominação social.
Em concordância com Heidegger, 1997 [1954], Feenberg afirma que o controle da natureza é indissociável do controle dos seres humanos, traduzindo fenômenos típicos da nossa época, tais como a degradação do trabalho, da educação e do meio ambiente. Tudo em favor de uma manifestação de racionalidade política onde a tecnologia não pode ser modificada mediante reformas morais ou atitudes espirituais, como apresentado por Borgmann.
Feenberg acredita que somente através de uma modificação cultural proveniente de avanços democráticos não deterministas seria possível alterarmos a situação de degradação vivida.
O desenvolvimento tecnológico baseia-se em critérios técnicos, sociais e de progresso que se dividem em várias direções, variando de acordo com a hegemonia que prevalecer. Provocando a adaptação do desenvolvimento tecnológico as instituições sociais que mudam em resposta às condições promovidas pelos avanços tecnológicos, ficando a sua mercê.
Para compreendermos os efeitos dessa modificação tecnológica, é prioritária a compreensão de que existe uma classe a qual comanda e outra que obedece, formando assim a civilização tecnológica, onde o poder por ela dado, tornou-se a principal forma de poder, substituindo as formas como o conhecimento e a religião.
O poder é uma forma de administração e controle das atividades sociais e pessoais. Os administradores, capitalistas e tecnocratas possuem a autonomia operacional, que lhes dá liberdade para tomar decisões independentes, desconsiderando interesses dos subordinados e da comunidade e principalmente, ignorando as consequências ambientais.
Essa autonomia operacional tem como objetivo a auto-preservação indefinida, que acaba sendo garantida pela racionalidade da tecnologia, amparada na necessidade da eficiência dos resultados.
As decisões tecnológicas em função da eficiência tornou-se o valor característico da dimensão tecnológica na vida humana, mas a eficiência por si só, não é suficiente para determinar o desenvolvimento tecnológico, pois ela mesma pode ser definida de diferentes maneiras, conforme os interesses sociais envolvidos.
Feenberg afirma que “Os objetos técnicos são também objetos sociais” e o desenvolvimento  tecnológico “é um cenário de luta social”. Onde compara o desenvolvimento tecnológico com o uso da linguagem, em que a gramática condiciona o significado, mas não decido o propósito, mas no caso da tecnologia, existe um código social que associa eficiência e propósito.
Feenberg ainda destaca que uma invenção é como uma linha de montagem, onde através de uma coerência técnica própria que não depende de política ou relações de classe, é desenvolvida e atinge sua forma eficiente e seu objetivo capitalista de lucro. Diferente da tecnologia, que não se reduz a estas relações simples de produção, e nem mesmo ao conhecimento técnico e a ideologias, mas sim a sua própria lógica, que para realmente funcionar precisa abranger um caráter social da tecnologia que não reside na lógica de seu funcionamento interno, mas na relação dessa lógica com um contexto social.
O código capitalista tem a eficiência como uma forma de chegar ao lucro, que se realiza por meio da venda das mercadorias, ignorando outras relações que possam estar associadas a seu produto, deixando de lado preocupações como qualidade de vida, educação, justiça social e a proteção ao meio ambiente, situações que são reduzidas a meras externalidades.
Essa eficiência poderia através de um outro código moral atender as exigências humanas tais como igualdade de oportunidades, proteção aos descapacitados, satisfação no trabalho, direito ao lazer, dentre outros aspectos que hoje são tratados como reivindicações econômicas  e morais, pois no entendimento de Feenberg, a eficiência não precisa abstrair tudo o quanto não se refira ao lucro, ao poder e ao consumo para atingir seu objetivo.
Para Feenberg, o capitalismo, bem como o socialismo burocrático, incentivam realizações tecnológicas que reforçam as estruturas hierárquicas e centralizadas com o controle atribuído de em todos os setores da vida humana, tais como o trabalho, a educação, a medicina, as leis, os esportes, os meios de comunicação, dentre outros. Ou seja, para Feenberg existe uma mediação técnica generalizada a serviço de interesses dos privilegiados que reduzem em todas as partes em nome da eficiência as possibilidades humanas, impondo em todo lugar, como medidas óbvias de disciplina a vigilância e a padronização.
É preciso destacar as realizações tecnológicas que são abstratas e descontextualizadas, pois são objetos e procedimentos que não pertencem a nenhum mundo cultural específico, e por isso acredita-se livre da responsabilidade de suas consequências em suas atividades, mas na verdade não passam de momentos típicos da reificação social que a tecnologia representa.
 No entanto Feenberg destaca que é precisamente a percepção dessas limitações e deformações que podem estimular movimentos políticos transformadores.
O autor tem a esperança de que através da hegemonia do código técnico do capitalismo, que não impede iniciativas contrárias, a sociedade que comparada a um jogo de estratégias de domínio, preserve a autonomia operacional e conteste a tática dos dominadores aproveitando a margem de manobra.
Táticas contestadoras são possíveis devido a evolução tecnológica não poder ser controlada em nenhuma instância, sendo assim, o resultado da contestação da mesma forma não pode ser previsto. Há o risco de a tática dos dominados ser absorvida pela lógica dos dominantes, tanto quanto pode se estabelecer e gerar novas relações.
A contestação do rumo autoritário da tecnologia não seria possível se ela não fosse ambivalente, podendo ser instrumentalizada em diferentes projetos políticos.
Feenberg afirma que “a tecnologia é em grande parte um produto cultural e, assim, toda ordem tecnológica é um ponto de partida potencial para desenvolvimentos divergentes, conforme o ambiente cultural que lhe dá forma”.
Perceber na tecnologia uma dupla instrumentalização, sendo uma a atitude ou orientação com relação a realização que é a instrumentalização primária e também, um modo de ação ou realização no mundo social que é a essência da tecnologia, promove a união dialética entre ambos os níveis de instrumentalização.
A mudança social sugerida, necessita de critérios de progresso que nos levem em direção a realização humana. Feenberg resgata com sua teoria a tradição humanista, entendendo que a sociedade progride na medida em que aumenta a capacidade das pessoas para assumir responsabilidade política, isso contra toda forma de discriminação, liberdade de pensamento, respeito a individualidade e se estímulo a criatividade.
Feenberg questiona, para que tipo de sociedade essa transformação nos levaria?
Levando em conta o fracasso dos sistemas comunistas pelo mundo, principalmente em relação a economia, bem como na promoção da democracia, o autor propõe uma nova noção de socialismo que tem como meta a transformação cultural. Retomando criticamente as idéias de Marx e da Escola de Frankfurt, propõe interpretar o socialismo não apenas como uma questão política, mas um episódio histórico de uma transição gradual que leve a civilização a um desenvolvimento de potencialidades humanas que hoje são negadas.
Esse socialismo significaria uma oposição imediata ao capitalismo, mas sim uma possível evolução a partir dos atuais estados de bem-estar social.
Feenberg cita como exemplos de ações deste socialismo medidas que poderiam pôr em movimento processos de extensão da propriedade pública, aprendizagem das necessidades imediatas da economia, e a transformação das técnicas e do treinamento profissional para incluir um leque cada vez maior de necessidades humanas no código técnico, sendo a adoção dessas medidas índice de avanço social para além do atual capitalismo.
Nessa proposta não está sendo esboçado um processo de implementação fácil, nem sequer provável. Por isso, Feenberg assume que “ Estas reflexões são estritamente condicionais. É impossível predizer o futuro, mas pode-se tratar de esboçar uma senda coerente de desenvolvimento que conduziria a um resultado propriamente socialista em circunstâncias favoráveis. A discussão está assim endereçada não à probabilidade de um tal resultado, mas à sua possibilidade. [...] estabelecer essa possibilidade não é apenas um ato de fé política; tem também uma função heurístia: é um modo de quebrar a ilusão de necessidades de que o mundo quotidiano está revestido. (Fennberg, 2002, p. 150)

Nenhum comentário:

Postar um comentário